segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Drácula de Stoker tem todos os elementos que conhecemos nos últimos 100 anos

     Filmes de vampiro sempre me deram muito medo. Na verdade, qualquer filme de terror sempre me deixava muito impressionado durante e depois da sessão. Não sei se é uma coisa própria da juventude, aquela coisa de ser muito influenciável, mas, fato é que ficava muito assustado. E, mesmo assim, como todo medroso, continuava indo aos cinemas para ver fenômenos do além e quase me borrar nas calças.

    Ler Drácula de Bram Stoker, claro, me fez pensar em todo este processo que tive que passar e a superação do medo que só chegaria com a maturidade. A obra do escritor Irlandês é uma maravilha. Um resumo de tudo o que lemos e assistimos ao logo dos últimos 100 anos envolvendo aquela figura sinistra e elegante. Todos os conceitos criados em torno do tema estão ali na obra de Stocker.

Meu exemplar

    Uma curiosidade sobre a história é que, em 1922, o diretor alemão Friedrich Wilhelm Murnau, lançou o filme Nosferatu. A obra foi baseada no livro de Stoker, no entanto, os produtores do filme tiveram que fazer algumas alterações no enredo e em nomes de personagens. Ocorre que, a viúva do escritor era a proprietária intelectual da obra e negou vender os direitos autorais da história. Por isso, foi necessário mudar o nome do filme e até o nome do vampiro que foi rebatizado para Conde Orlock, um corcunda, careca, com orelhas pontudas, unhas grandes e dentes assustadores. Igual a imagem que aparece na capa de meu exemplar.

    Como eu disse está tudo lá na obra original. Até mesmo a referência a Nosferatu aparece no texto de Stoker para lembrar que se trata de um sinônimo para vampiro em língua húngaro-românica.

    Estão lá a ideia do uso de alho para espantar, a estaca no coração e decepagem da cabeça para aniquilar a fera.

    Bram Stoker também criou outro personagem no livro que virou filme mais recentemente. Trata-se de um especialista em vampiros, chamado Abraham Van Helsing que, no livro, é solicitado por um amigo para ajudar na caçada ao conde. O personagem, não por acaso, carrega o mesmo nome do autor, uma vez que Bram é uma redução do nome original Abraham.

    Ao ler o livro, fique atento à narrativa. O autor foi muito criativo ao colocar as falas dos personagens a partir dos diários de cada um deles e de cartas trocadas entre amantes e amigos.

    Enfim, Drácula, publicado em 1897, ainda é uma grande referência literária. Ao lê-lo não se assuste ou, melhor, não se decepcione ao perceber que o Drácula mesmo aparece pouco durante a história. No entanto, o medo está sempre presente em todas as páginas enquanto aquele grupo parte para a grande caçada. E eu me assustei só um pouquinho.

sábado, 22 de outubro de 2022

O Homem Invisível permanece

 Num dia frio, em meio a um vento cortante e brava nevasca, numa cidade pequena da Inglaterra, num modesto hotel de madeira, chega um homem encapotado, de chapéu e com bandagens brancas cobrindo o rosto. Talvez não soe parecido com a história que você conhece, mas este é o início do clássico “O Homem Invisível”, de autoria de Herbert George Wells, escrito em 1897, tantas vezes referenciado, especialmente no cinema. Na história original, o personagem principal, cujo nome demora para ser revelado, se vê às voltas para conseguir se beneficiar da situação criada a partir de uma experiência científica ao mesmo tempo em que vai se tornando cada vez mais irascível na busca de um antídoto para a “maldição da invisibilidade” que o isola da vida em sociedade. 

A primeira versão para a tela grande, produzida em 1933, foi num tempo em que o cinema ainda engatinhava em termos de som. O icônico “O Cantor de Jaz”, de 1927, possuía algumas falas e cantos sincronizados com disco de acetato, sendo considerado o primeiro longa sonoro da história. Menos de seis anos depois, “O Homem Invisível” chegava às telas ainda com atores fazendo aquela exagerada interpretação teatral, resquício do cinema mudo quando a ênfase nas expressões eram necessárias para o púbico poder compreender melhor.

O filme em relação ao livro segue praticamente o mesmo enredo com a inclusão de personagem feminina, noiva do protagonista, inexistente na história original. O efeito especial para caracterizar a invisibilidade, imagino, para a época, tenha causado grande impacto e ainda hoje pode ser considerado bom.

Mas, a criatividade do autor aliada ao seu lado cientista criou uma narrativa que supera em muito a obra cinematográfica. O escritor inglês, morto em 1946, foi destacado biólogo e professor universitário. Mais do que um livro de terror, na verdade, não é terror, a trama combina humor, questionamentos sobre o comportamento humano, desprezo e solidão.

Depois do primeiro filme, surgiram muitas outras versões para “O Homem Invísivel”. Cada uma delas com bastante criatividade e qualidade. No entanto, o livro, a ideia original, de Wells, permanece, visivelmente.

terça-feira, 22 de março de 2022

Cem Anos de Solidão

 

    Como alguém pode ser tão criativo, pode escrever um livro tão bom quanto esse? Cem Anos de Solidão tem tanta coisa que a gente fica meio assim, assim de falar. É uma obra mágica, inspiradora.

    Gabriel Garcia Marques é um escritor sensacional e muito modesto. Dizem que após escrever a obra-prima de sua carreira teria dito que não esperava grande coisa daquele texto. Mas, basta que, Cem Anos de Solidão é considerado um dos livros maiores da língua espanhola, perdendo, talvez, para Dom Quixote, tendo até hoje uma venda estupenda.


    Um livro difícil de explicar, difícil de destrinchar assim em poucas linhas. É um enredo de outro mundo, engraçadíssimo. Há milhares de histórias dentro das histórias, há o tempo que vai e vem, há personagens de nomes idênticos, há mulheres fortes de nomes bem diversos. Se você tem problemas para gravar nomes de personagens, como eu, prepare-se bem.

    Já ouvi que a literatura que Gabo, como é chamado em seu país natal, a Colômbia, faz se chama Realismo Fantástico ou Realismo Mágico. Ele mesmo não aceita estes rótulos, mas muita gente o trata assim. O fato é que histórias maluquinhas de gente com seus comportamentos estranhos, da família de ciganos que sempre volta à cidade com as últimas novidades do mundo exterior, de fantasmas que habitam Macondo, onde choveu cinco anos sem parar, fundada pela família Buendia, brotam na obra e concorrem para que o encaixotamento do autor nesta nomenclatura não seja tão absurdo assim. As semelhanças com passagens bíblicas também dão este ar fantástico à narrativa.


     Macondo foi fundada pela família do patriarca José Arcádio Buendia e a matriarca Úrsula Iguarán num local distante, isolado no tempo e no espaço. Descolada do mundo, a família perpassa cem anos e suas gerações se repetem, se copiam. O uso de nomes iguais para os homens da família reflete bem essa ideia de continuidade, essa mesmice, o círculo da vida, etc; quem não conhece famílias que usam nomes iguais para seus descendentes como forma de homenagear uns aos outros?

    Todos na história, de certa forma, vivem uma espécie de solidão.

    Minha leitura original do livro foi num exemplar que adquiri num sebo. Uma edição em brochura da Record que guardo até hoje. Apesar de menos apto à época para ler tal envergadura de escrita (entre outras, tive que buscar no dicionário o significado de diáfana), indicada entusiasticamente pelo meu primo Leandro Ramirez, fiquei maravilhado com a história. E assim como me recomendaram um dia, também recomendo agora a leitura imediata para os incautos que ainda não a fizeram.

    Depois, me diga se esta não é uma das passagens mais hilárias da obra quando o cigano Melquíades chega de viagem usando uma dentadura:

De modo que todo mundo foi à tenda, e com o pagamento de um centavo viu um Melquíades juvenil, refeito, desenrugado, com uma dentadura nova e radiante. Os que recordavam as suas gengivas destruídas pelo escorbuto, as suas bochechas flácidas e os seus lábios murchos, estremeceram de pavor diante daquela prova decisiva dos poderes sobrenaturais do cigano. O pavor se converteu em pânico quando Melchíades tirou s dentes, intactos, engastados nas gengivas, e mostrou-os ao público por um instante – um instante fugaz em que voltou a ser o mesmo homem decrépito dos anos anteriores – e botou-os outra vez e sorriu de ovo com um domínio pleno de sua juventude restaurada.”


domingo, 27 de fevereiro de 2022

Dom Casmurro é imperdível para qualquer tipo de leitor


Quando li Dom Casmurro, há mais de 30 anos, o fiz pela dívida que tinha com a literatura brasileira. Precisava ler urgente escritores brasileiros, coisa que não havia feito ainda. Já estava na universidade cursando jornalismo e não foi, portanto, pensando em provas de vestibular, ou algo parecido. Foi com este espírito que li vários outros títulos da obra machadiana como a Mão e a Luva, O Alienista, Memorial de Aires, Memórias Póstumas de Brás Cubas e um livro de Contos e me dei por satisfeito com o autor.

À época, nem sabia da polêmica do mundo literário em torno da traição de Capitu. Para mim ficou claro que Bentinho fora traído por ela e seu melhor amigo Escobar.

As leituras iniciais de Machado de Assis foram um desafio na medida em que exigiam constantes idas ao dicionário para decifrar uma escrita que este incauto leitor não dominava. Várias vezes, em Dom Casmurro, parei para respirar e retomar algum capítulo onde havia perdido o fio da meada. 

Com mais tranquilidade e deleite reli há pouco o mesmo livro já não com tantas interrupções. Mesmo assim, não pretendo fazer aqui uma análise do romance, tantas vezes já reverenciado por inúmeros autores. Vou deixar para os especialistas.

Se não me falha a memória, Umberto Eco um dia manifestou sua admiração pela obra, bem como Woody Allen a colocou entre as suas preferidas. Fico com uma pequena observação de um editor: A arte de Machado de Assis faz-nos ver um duplo Dom Casmurro, uma dupla Capitolina, um Escobar ambíguo.

O exemplar castigado pelo tempo que guardo comigo foi comprado num sebo de Ponta Grossa (PR) ao preço de Cr$ 20,00 cruzeiros. Certamente paguei uma bagatela pelo estado avançado de decomposição que já apresentava então e porque a moeda, assim como o governo naquela época, nada valia. Era o período do governo de Fernando Collor de Mello.

Relembrar as histórias de Machado de Assis sempre me remeterá ao tempo da universidade. Bentinho, Capitu e Escobar e eu fomos testemunhas daqueles dias que deram um novo rumo a minha vida. 

 Não há como não apreciar a narrativa de Machado de Assis nesta história cativante e cheia de idas e vindas. E é bom prestar atenção também na forma como o narrador conta tudo. Por isso, Dom Casmurro é imperdível para qualquer tipo de “lentes”. Coisas de Machado de Assis.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

História Social da Criança e da Família – quando não existia infância

 

Alguns conhecimentos marcam a gente e ficam para sempre. É como aquela frase que ouvi de um palestrante: “aprendizado é para sempre!” A História Social da Criança e da Família, do francês Philippe Ariès, causou-me um impacto muito grande. Certos conceitos expostos ali estão comigo de forma muito presente, inesquecíveis. O autor fala sobre a evolução do conceito de criança no período medieval. Tendo como base obras de arte do período, ele analisa uma sociedade que desconhecia este conceito, só vindo a dar valor a esta fase da vida tardiamente. Segundo Ariès, os pequenos, quando retratados, tinham a fisionomia de homens de tamanho reduzido, indicando que provavelmente não houvesse lugar para a infância naquele universo. As crianças eram como que invisíveis, podendo acompanhar o mundo adulto livremente, até mesmo, em momentos mais íntimos de pais e vizinhos.

Na avaliação do autor, era como se não valesse a pena se preocupar com esta fase da vida que tinha um tempo curto e, pelas condições sanitárias da época, a possibilidade de perda era muito grande. Os índices de mortalidade infantil eram acentuados.

 Outra conclusão que o autor chega é de que esta invisibilidade infantil, a não existência do conceito de infância, não criava razões para existirem escolas.

Segundo o autor, baseado numa análise iconográfica, as crianças passam a ser retratadas, só a partir do século XVII, com cara de criança e não mais de homenzinhos. Nos retratos, elas começam a aparecer vestindo roupas diferentes dos adultos. Além disso, tornam-se comuns pinturas que representam a criança morta, demonstrando que as pessoas começavam a se importar com aquela pequena criatura. Não por acaso, a ideia de uma escola parecida com o que temos hoje surge somente a partir da idade moderna. Claro que outros fatores igualmente concorreram pra isso.

Aos amigos que indicam bons livros, devemos agradecer. Nesse caso, devo fazer reverência a dica de minha amiga Mônica Kaseker. O livro foi uma luz pra mim. A História Social da Criança e da Família é daqueles que a gente nunca esquece e acaba se interessando em querer saber mais sobre o autor. Livro bom é assim. Philippe Ariès (A pronúncia do sobrenome é com dois erres, em bom francês. Até disso a gente vai atrás) tem uma bibliografia muito rica e profunda. Claro, ele tem contestadores como todo o bom pesquisador. Afinal, como diz o conceito básico de filosofia: nada é absoluto.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

A História de Sua Vida e A Chegada – Cinema e livro


Comprei por R$ 10,00 reais num Shopping center de Porto Alegre. Era uma daquelas exposições de livros que ficam no meio dos saguões, ficando quase impossível não passar por dentro da livraria improvisada. Vi na capa um aviso que dizia tratar-se do livro com o conto que inspirou o filme “A Chegada”. Bom, se inspirou um filme, pensei, deve ter alguma coisa interessante. Percebi que o anúncio trazia as fotos de dois bons atores de Hollywood que, na hora, não lembrei os nomes, mas, me impressionaram, igualmente.

E não fiquei decepcionado com a qualidade da obra chamada História da Sua Vida e Outros Contos, do escritor norte-americano Ted Chiang, muito pelo contrário, fiquei admirado com tudo que li. Na orelha do livro está lá o resumo de como o autor elabora as histórias. Chiang constrói as mais fantásticas proposições desenvolvidas com extremo rigor científico. E é realmente impressionante o embasamento que ele consegue dar às ideias, mesmo que meio malucas, apresentadas em cada conto. Além da história que inspirou o filme, me lembro que gostei de um outro conto chamado A Torre da Babilônia que é muito divertido e criativo no qual é narrado o processo de construção da famosa torre. Boa parte da história se dá enquanto dois mineradores sobem a torre cujo objetivo é alcançar o céu. É tão alta que já há milhares de pessoas morando nela, são as famílias dos assentadores de tijolo, mineradores, carregadores e pedreiros. Os dois novos mineradores chegaram com a missão de atingir o topo da torre para escavar a abóboda do céu.

Há uma outra história interessantíssima chamada “Setenta e duas Letras”, onde Chiang abusa de conhecimentos científicos para imaginar bonecos de argila que ganham alma, como golens criados a partir de fórmulas mágicas.

Mas, o mais legal de todos é realmente o conto História da Sua Vida. No livro não aparece a referência à hipótese Sapir-Whorf, explicitamente, que é a grande sacada do filme, mas, a ideia está ali. Segundo estes dois pesquisadores, numa explicação bem resumida, a língua de uma determinada comunidade organiza sua cultura, sua visão de mundo, pois uma comunidade vê e compreende a realidade que a cerca através das categorias gramaticais e semânticas de sua língua. Em outras palavras, certas capacidades humanas seriam desenvolvidas conforme a língua falada. Algumas seriam exclusivas de quem fala determinada língua. Isto fica nítido no filme quando a professora contratada para decifrar as mensagens enviadas pelos alienígenas passa a desenvolver uma habilidade muito específica e impressionante.

Um bom livro, um bom filme. Uma história para inspirar o cinema, mas cada um, guardando características específicas.


quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Meu fiel escudeiro Luís e Dom Quixote de la Mancha

 

Lembro do meu bom amigo Luís lendo Dom Quixote de la Mancha e rindo com as sandices e trapalhadas do cavaleiro andante. Lembro dele achando graça do nome da suposta dama de Quixote, a Dulcinéia del Toboso. Meu amigo num canto da minúscula cozinha e eu no outro naquela meia-água saudosa, do bairro Palmeirinha, onde morávamos no tempo de estudantes em Ponta Grossa, PR. O exemplar era muito bonito. Uma edição especial de capa dura lançada pela editora Abril que fazia parte da coleção Obras Primas. Eu cursava Jornalismo e ele fazia o curso de Processamento de Dados. Éramos amigos desde a infância e tínhamos ido juntos estudar na UEPG.

Até hoje em dia, se questionado sobre um dos melhores livros que leu, Luís dirá, seguramente, que a história do cavaleiro da triste figura está entre as favoritas.

Nem mesmo o texto rebuscado da obra ou o jeito empolado de Dom Quixote falar conseguiu desanimar meu amigo de concluir a leitura daquele clássico da literatura. A tarefa tomou vários dias, período em que meu companheiro de morada, não raras vezes, parada a leitura para mencionar os trechos mais malucos protagonizados pelo cavaleiro, seu cavalo Rocinante, seu fiel escudeiro Sancho Pança e a platônica dama Dulcinéia.

Evidentemente, fui ficando cada vez mais curioso a cada relato do ávido leitor ao meu lado. Líamos à noite e éramos beneficiados por não termos um aparelho de TV na casa, não por opção, mas por falta de condições de comprar um aparelho mesmo. Enfim, líamos depois de frequentarmos as aulas num dos blocos do memorável campus da Universidade na Praça Santos Andrade.

Só mais tarde acabei lendo a obra na íntegra e apreciado mais profundamente o gênio literário de Miguel de Cervantes.

Não vou citar trechos da história que é bastante conhecida, por assim dizer, fazendo parte do inconsciente coletivo. Ao leitor inexperiente da obra completa ou àquele que só ouviu falar dessas aventuras, uma informação importante está logo no começo da narrativa que dá conta do motivo que levou Dom Quixote a cavalgar pelo mundo para defender os mais fracos e indefesos. O famoso fidalgo se dava a ler livros de cavalaria aos montes e lá pelas tantas endoideceu, como nunca jamais caiu louco algum no mundo, encarnando um cavaleiro andante, montado num cavalo magro, portando armas desgastadas e enferrujadas de seus bisavós.

Por tudo isso, eu ainda guardo um luxuoso exemplar que não sei ser ou não o mesmo que lemos há trinta anos atrás. Não importa. É o mesmo livro, são as mesmas recordações e a mesma satisfação em lembrar daquele período especial da vida.

Um abraço ao Luís e ao Dom Quixote.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Viagens e Montanhas de Arlindo Zucchello - para apaixonados como o autor

 

Ao chegar ao topo da montanha mais visitada pelos montanhistas no mundo, a quase seis mil metros de altitude, próximo das bordas do inativo vulcão Kilimanjaro, no dia 21 de novembro de 2011, ele não teve dúvidas, abriu a bandeira vermelha e verde de Concórdia, SC, para fazer a foto no Pico Uhuru, na Tanzânia, no topo da África.

O montanhista/jornalista e dublê de escritor, é concordiense de nascimento, mas, a julgar pelos tantos lugares que já conheceu, pode ser considerado cidadão do mundo. A homenagem ao município natal ele já havia feito ao fim da subida do gelado Elbrus, na Rússia, o ponto mais alto da Europa, a 5.642 metros. Depois, em outro momento, ao chegar ao Monte Caburai, o ponto mais distante do Brasil, no estado de Roraima, mais uma vez fez questão de registrar o momento com uma bandeira de Concórdia e a colocou no lugar do pavilhão nacional corroído pelo tempo, antes alçado por espia de aço em roldanas. 

Os relatos detalhados desses e outros fatos estão registrados no livro Viagens e Montanhas lançado pelo autor em 2016. Ele conta detalhes interessantes de suas empreitadas a pé pelo mundo.

Estão lá a subida ao monte boliviano Huyana Potosi, a aventura até o mítico Everest, entre o Nepal e Tibete, onde alcançou o campo base da famosa montanha e o trajeto de mais de mil quilômetros, feito em 26 dias pelo Caminho de Santiago de Compostela, entre a França e a Espanha, o Monte Caburai, o ponto mais distante do Brasil, no estado de Roraima e a subida ao Monte Vicuñas, 6.067 metros, no Chile, .

Li o livro de Zuchello com imensa curiosidade, afinal, quem não quer ter um pouco de mundo, né? É difícil fugir do jargão e não dizer que “viajei com o autor”, acompanhando as narrativas. Alcancei com ele picos gelados, montanhas cobertas de neblinas, lugares exóticos e surpreendentes e paisagens deslumbrantes.

Não chega a dar bolhas nos pés, nem torções em tornozelos, mas é uma leitura de tirar o fôlego que vale a pena ao final da jornada.

Só um apaixonado faz o que o Zucchello faz. As “escalaminhadas”, como ele diz, já foram tantas que já não cansa mais. “Trilhas e tantos trekkings me propiciaram melhores condições de saúde física e mental”, revela.

Por último, chama atenção o estilo linguístico do autor. Não estranhe a economia de preposições e verbos. A característica dá um sabor especial à leitura e mantém a narrativa em alto nível.



segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

A Reprodução – Meu conceito favorito de Pierre Bourdieu

 

   Foi numa aula de Mestrado em Educação com a minha querida professora Leda Scheibe que fui apresentado ao teórico francês, Pierre Bourdieu. O autor acabou se tornando chave para o pensamento que desenvolvi em meu trabalho final e, rapidamente, tornou-se meu favorito quando assunto era educação. Certos aprendizados são para sempre, aqueles em que o pensador descortina uma nova realidade e faz uma revelação. Pois bem, foi isso.

    Impossível parece falar de Bourdieu sem citar seu famoso “A Reprodução”. Longe de mim querer fazer um resumo do livro ou me aprofundar em algum aspecto. São coisas para gente capacitada realmente, o que não é meu caso. Quero falar de um ponto específico de seus estudos e que, creio, seja basilar do teórico francês e que surge nesta obra.

    Há um conceito comum a vários autores, mas foi com Bourdieu que compreendi melhor. A ideia de que as escolas foram criadas para atender os filhos da elite pode ser encontrado em muitos livros. Foi durante a Revolução Industrial, na Europa, que as escolas, no formato que conhecemos hoje, começaram a surgir. Uma necessidade sentida pelos donos de fábricas e comerciantes que queriam educar os filhos.

    Para Bourdieu, de lá pra cá, isto não mudou quase nada. Em suas pesquisas de campo apontou que estudantes oriundos de realidades privilegiadas eram os que conseguiam a maioria das vagas em universidades e os melhores desempenhos. O mesmo poderia ser dito sobre ensino dos primeiros anos, onde alunos originários de lares com cultura escolar, ou que tivessem herança cultural associada à herança econômica, teriam mais facilidade no processo de alfabetização. Não é difícil imaginar as vantagens para alguém que tenha acesso a livros em casa desde a tenra infância.

Pierre Bourdieu

    O autor conclui, então, que a estrutura existente está aí para reproduzir a realidade e, não, para alterá-la. Até mesmo as exceções fariam parte do jogo, servindo como argumento “do sistema” para iludir os que estão fora do topo. As minúsculas mudanças servem para dizer que o sistema funciona. Se não funciona pra você, o problema não é o sistema, é você.

    É mais ou menos o que concluiu seu conterrâneo Thomas Piketty que ficou famoso ao provar que o capitalismo, deixado a si mesmo, concentra riqueza e não o contrário, criando ricos por herança, não por trabalho de cada um.

    Bourdieu é para mim um teórico brilhante. Suas ideias realmente causaram e causam ainda grande impacto.

    No entanto, lê-lo requer paciência e um interesse genuíno.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Golpe de Mestre – A experiência de ler e depois assistir

 


    Se não me falha a memória (expressão que cada vez faz mais sentido), o primeiro livro que li e que também virou filme foi Golpe de Mestre (1973/74). Neste caso, especificamente, a história foi escrita para o cinema antes e, depois, virou livro. Mas, a ordem dos tratores aqui não importa muito. O que quero abordar é minha experiência de primeiro ler e, depois, assistir na tela.

    Acho que saia da adolescência e havia lido um dos raros livros que caíra em minhas mãos naquele momento de minha vida. Além disso, nos anos 1970, numa cidade do interior, os filmes demoravam muito para chegar. Eram exibidos, praticamente, um ano após terem sido lançados, ou, até mais. Então, relevemos um pouco a certeza das datas.

    Fui ao cinema com grande expectativa e com a história que li ainda fresquinha em minha memória. A história de dois grandes malandros de Chicago, no período pós depressão norte-americana, em meados dos anos 1930, e que planejaram um grande golpe, o Golpe de Mestre, pra cima de um dos maiores gangsters do país. O filme retrata o período duro que os norte-americanos viviam com fome, desemprego, Lei Seca e jogatinas com vigaristas aplicando golpes uns nos outros.

    Aos poucos fui percebendo que a história, apesar de seguir basicamente o que estava no livro, não repetia perfeitamente o enredo da obra escrita. Um misto de admiração e decepção apesar do excelente filme que assistia. Esperava saber passo a passo o que aconteceria. Mas, qual nada. Até o final da história foi diferente.

    A experiência, claro, mais tarde, mostrou seu valor. O cinema se inspira em histórias escritas para criar em outro formato, praticamente, uma nova história. Um filme nunca será igual ao livro.

    Sei que li um bom livro e vi um excelente filme, vencedor do Oscar em sete categorias com atuações memoráveis da dupla Paul Newman (Henry Gondorff) e Robert Redford (Johnny Hooker).

    Recentemente, ao buscar informações para este texto, encontrei a informação de que o roteirista do filme, David S. Ward, montou o enredo inspirado em fatos reais protagonizados pelos irmãos Fred e Charley Gondorff que estão documentados por David Maurer em seu livro The Big Con: The Story of the Confidence Man.

    Posteriormente, li outros livros que viraram filme e vice e versa e, evidentemente, nunca mais esperei ver a história se repetir perfeitamente na tela, o que, convenhamos, seria meio chato.


Drácula de Stoker tem todos os elementos que conhecemos nos últimos 100 anos

      Filmes de vampiro sempre me deram muito medo. Na verdade, qualquer filme de terror sempre me deixava muito impressionado durante e dep...