domingo, 27 de fevereiro de 2022

Dom Casmurro é imperdível para qualquer tipo de leitor


Quando li Dom Casmurro, há mais de 30 anos, o fiz pela dívida que tinha com a literatura brasileira. Precisava ler urgente escritores brasileiros, coisa que não havia feito ainda. Já estava na universidade cursando jornalismo e não foi, portanto, pensando em provas de vestibular, ou algo parecido. Foi com este espírito que li vários outros títulos da obra machadiana como a Mão e a Luva, O Alienista, Memorial de Aires, Memórias Póstumas de Brás Cubas e um livro de Contos e me dei por satisfeito com o autor.

À época, nem sabia da polêmica do mundo literário em torno da traição de Capitu. Para mim ficou claro que Bentinho fora traído por ela e seu melhor amigo Escobar.

As leituras iniciais de Machado de Assis foram um desafio na medida em que exigiam constantes idas ao dicionário para decifrar uma escrita que este incauto leitor não dominava. Várias vezes, em Dom Casmurro, parei para respirar e retomar algum capítulo onde havia perdido o fio da meada. 

Com mais tranquilidade e deleite reli há pouco o mesmo livro já não com tantas interrupções. Mesmo assim, não pretendo fazer aqui uma análise do romance, tantas vezes já reverenciado por inúmeros autores. Vou deixar para os especialistas.

Se não me falha a memória, Umberto Eco um dia manifestou sua admiração pela obra, bem como Woody Allen a colocou entre as suas preferidas. Fico com uma pequena observação de um editor: A arte de Machado de Assis faz-nos ver um duplo Dom Casmurro, uma dupla Capitolina, um Escobar ambíguo.

O exemplar castigado pelo tempo que guardo comigo foi comprado num sebo de Ponta Grossa (PR) ao preço de Cr$ 20,00 cruzeiros. Certamente paguei uma bagatela pelo estado avançado de decomposição que já apresentava então e porque a moeda, assim como o governo naquela época, nada valia. Era o período do governo de Fernando Collor de Mello.

Relembrar as histórias de Machado de Assis sempre me remeterá ao tempo da universidade. Bentinho, Capitu e Escobar e eu fomos testemunhas daqueles dias que deram um novo rumo a minha vida. 

 Não há como não apreciar a narrativa de Machado de Assis nesta história cativante e cheia de idas e vindas. E é bom prestar atenção também na forma como o narrador conta tudo. Por isso, Dom Casmurro é imperdível para qualquer tipo de “lentes”. Coisas de Machado de Assis.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

História Social da Criança e da Família – quando não existia infância

 

Alguns conhecimentos marcam a gente e ficam para sempre. É como aquela frase que ouvi de um palestrante: “aprendizado é para sempre!” A História Social da Criança e da Família, do francês Philippe Ariès, causou-me um impacto muito grande. Certos conceitos expostos ali estão comigo de forma muito presente, inesquecíveis. O autor fala sobre a evolução do conceito de criança no período medieval. Tendo como base obras de arte do período, ele analisa uma sociedade que desconhecia este conceito, só vindo a dar valor a esta fase da vida tardiamente. Segundo Ariès, os pequenos, quando retratados, tinham a fisionomia de homens de tamanho reduzido, indicando que provavelmente não houvesse lugar para a infância naquele universo. As crianças eram como que invisíveis, podendo acompanhar o mundo adulto livremente, até mesmo, em momentos mais íntimos de pais e vizinhos.

Na avaliação do autor, era como se não valesse a pena se preocupar com esta fase da vida que tinha um tempo curto e, pelas condições sanitárias da época, a possibilidade de perda era muito grande. Os índices de mortalidade infantil eram acentuados.

 Outra conclusão que o autor chega é de que esta invisibilidade infantil, a não existência do conceito de infância, não criava razões para existirem escolas.

Segundo o autor, baseado numa análise iconográfica, as crianças passam a ser retratadas, só a partir do século XVII, com cara de criança e não mais de homenzinhos. Nos retratos, elas começam a aparecer vestindo roupas diferentes dos adultos. Além disso, tornam-se comuns pinturas que representam a criança morta, demonstrando que as pessoas começavam a se importar com aquela pequena criatura. Não por acaso, a ideia de uma escola parecida com o que temos hoje surge somente a partir da idade moderna. Claro que outros fatores igualmente concorreram pra isso.

Aos amigos que indicam bons livros, devemos agradecer. Nesse caso, devo fazer reverência a dica de minha amiga Mônica Kaseker. O livro foi uma luz pra mim. A História Social da Criança e da Família é daqueles que a gente nunca esquece e acaba se interessando em querer saber mais sobre o autor. Livro bom é assim. Philippe Ariès (A pronúncia do sobrenome é com dois erres, em bom francês. Até disso a gente vai atrás) tem uma bibliografia muito rica e profunda. Claro, ele tem contestadores como todo o bom pesquisador. Afinal, como diz o conceito básico de filosofia: nada é absoluto.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

A História de Sua Vida e A Chegada – Cinema e livro


Comprei por R$ 10,00 reais num Shopping center de Porto Alegre. Era uma daquelas exposições de livros que ficam no meio dos saguões, ficando quase impossível não passar por dentro da livraria improvisada. Vi na capa um aviso que dizia tratar-se do livro com o conto que inspirou o filme “A Chegada”. Bom, se inspirou um filme, pensei, deve ter alguma coisa interessante. Percebi que o anúncio trazia as fotos de dois bons atores de Hollywood que, na hora, não lembrei os nomes, mas, me impressionaram, igualmente.

E não fiquei decepcionado com a qualidade da obra chamada História da Sua Vida e Outros Contos, do escritor norte-americano Ted Chiang, muito pelo contrário, fiquei admirado com tudo que li. Na orelha do livro está lá o resumo de como o autor elabora as histórias. Chiang constrói as mais fantásticas proposições desenvolvidas com extremo rigor científico. E é realmente impressionante o embasamento que ele consegue dar às ideias, mesmo que meio malucas, apresentadas em cada conto. Além da história que inspirou o filme, me lembro que gostei de um outro conto chamado A Torre da Babilônia que é muito divertido e criativo no qual é narrado o processo de construção da famosa torre. Boa parte da história se dá enquanto dois mineradores sobem a torre cujo objetivo é alcançar o céu. É tão alta que já há milhares de pessoas morando nela, são as famílias dos assentadores de tijolo, mineradores, carregadores e pedreiros. Os dois novos mineradores chegaram com a missão de atingir o topo da torre para escavar a abóboda do céu.

Há uma outra história interessantíssima chamada “Setenta e duas Letras”, onde Chiang abusa de conhecimentos científicos para imaginar bonecos de argila que ganham alma, como golens criados a partir de fórmulas mágicas.

Mas, o mais legal de todos é realmente o conto História da Sua Vida. No livro não aparece a referência à hipótese Sapir-Whorf, explicitamente, que é a grande sacada do filme, mas, a ideia está ali. Segundo estes dois pesquisadores, numa explicação bem resumida, a língua de uma determinada comunidade organiza sua cultura, sua visão de mundo, pois uma comunidade vê e compreende a realidade que a cerca através das categorias gramaticais e semânticas de sua língua. Em outras palavras, certas capacidades humanas seriam desenvolvidas conforme a língua falada. Algumas seriam exclusivas de quem fala determinada língua. Isto fica nítido no filme quando a professora contratada para decifrar as mensagens enviadas pelos alienígenas passa a desenvolver uma habilidade muito específica e impressionante.

Um bom livro, um bom filme. Uma história para inspirar o cinema, mas cada um, guardando características específicas.


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