quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

A História de Sua Vida e A Chegada – Cinema e livro


Comprei por R$ 10,00 reais num Shopping center de Porto Alegre. Era uma daquelas exposições de livros que ficam no meio dos saguões, ficando quase impossível não passar por dentro da livraria improvisada. Vi na capa um aviso que dizia tratar-se do livro com o conto que inspirou o filme “A Chegada”. Bom, se inspirou um filme, pensei, deve ter alguma coisa interessante. Percebi que o anúncio trazia as fotos de dois bons atores de Hollywood que, na hora, não lembrei os nomes, mas, me impressionaram, igualmente.

E não fiquei decepcionado com a qualidade da obra chamada História da Sua Vida e Outros Contos, do escritor norte-americano Ted Chiang, muito pelo contrário, fiquei admirado com tudo que li. Na orelha do livro está lá o resumo de como o autor elabora as histórias. Chiang constrói as mais fantásticas proposições desenvolvidas com extremo rigor científico. E é realmente impressionante o embasamento que ele consegue dar às ideias, mesmo que meio malucas, apresentadas em cada conto. Além da história que inspirou o filme, me lembro que gostei de um outro conto chamado A Torre da Babilônia que é muito divertido e criativo no qual é narrado o processo de construção da famosa torre. Boa parte da história se dá enquanto dois mineradores sobem a torre cujo objetivo é alcançar o céu. É tão alta que já há milhares de pessoas morando nela, são as famílias dos assentadores de tijolo, mineradores, carregadores e pedreiros. Os dois novos mineradores chegaram com a missão de atingir o topo da torre para escavar a abóboda do céu.

Há uma outra história interessantíssima chamada “Setenta e duas Letras”, onde Chiang abusa de conhecimentos científicos para imaginar bonecos de argila que ganham alma, como golens criados a partir de fórmulas mágicas.

Mas, o mais legal de todos é realmente o conto História da Sua Vida. No livro não aparece a referência à hipótese Sapir-Whorf, explicitamente, que é a grande sacada do filme, mas, a ideia está ali. Segundo estes dois pesquisadores, numa explicação bem resumida, a língua de uma determinada comunidade organiza sua cultura, sua visão de mundo, pois uma comunidade vê e compreende a realidade que a cerca através das categorias gramaticais e semânticas de sua língua. Em outras palavras, certas capacidades humanas seriam desenvolvidas conforme a língua falada. Algumas seriam exclusivas de quem fala determinada língua. Isto fica nítido no filme quando a professora contratada para decifrar as mensagens enviadas pelos alienígenas passa a desenvolver uma habilidade muito específica e impressionante.

Um bom livro, um bom filme. Uma história para inspirar o cinema, mas cada um, guardando características específicas.


quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Meu fiel escudeiro Luís e Dom Quixote de la Mancha

 

Lembro do meu bom amigo Luís lendo Dom Quixote de la Mancha e rindo com as sandices e trapalhadas do cavaleiro andante. Lembro dele achando graça do nome da suposta dama de Quixote, a Dulcinéia del Toboso. Meu amigo num canto da minúscula cozinha e eu no outro naquela meia-água saudosa, do bairro Palmeirinha, onde morávamos no tempo de estudantes em Ponta Grossa, PR. O exemplar era muito bonito. Uma edição especial de capa dura lançada pela editora Abril que fazia parte da coleção Obras Primas. Eu cursava Jornalismo e ele fazia o curso de Processamento de Dados. Éramos amigos desde a infância e tínhamos ido juntos estudar na UEPG.

Até hoje em dia, se questionado sobre um dos melhores livros que leu, Luís dirá, seguramente, que a história do cavaleiro da triste figura está entre as favoritas.

Nem mesmo o texto rebuscado da obra ou o jeito empolado de Dom Quixote falar conseguiu desanimar meu amigo de concluir a leitura daquele clássico da literatura. A tarefa tomou vários dias, período em que meu companheiro de morada, não raras vezes, parada a leitura para mencionar os trechos mais malucos protagonizados pelo cavaleiro, seu cavalo Rocinante, seu fiel escudeiro Sancho Pança e a platônica dama Dulcinéia.

Evidentemente, fui ficando cada vez mais curioso a cada relato do ávido leitor ao meu lado. Líamos à noite e éramos beneficiados por não termos um aparelho de TV na casa, não por opção, mas por falta de condições de comprar um aparelho mesmo. Enfim, líamos depois de frequentarmos as aulas num dos blocos do memorável campus da Universidade na Praça Santos Andrade.

Só mais tarde acabei lendo a obra na íntegra e apreciado mais profundamente o gênio literário de Miguel de Cervantes.

Não vou citar trechos da história que é bastante conhecida, por assim dizer, fazendo parte do inconsciente coletivo. Ao leitor inexperiente da obra completa ou àquele que só ouviu falar dessas aventuras, uma informação importante está logo no começo da narrativa que dá conta do motivo que levou Dom Quixote a cavalgar pelo mundo para defender os mais fracos e indefesos. O famoso fidalgo se dava a ler livros de cavalaria aos montes e lá pelas tantas endoideceu, como nunca jamais caiu louco algum no mundo, encarnando um cavaleiro andante, montado num cavalo magro, portando armas desgastadas e enferrujadas de seus bisavós.

Por tudo isso, eu ainda guardo um luxuoso exemplar que não sei ser ou não o mesmo que lemos há trinta anos atrás. Não importa. É o mesmo livro, são as mesmas recordações e a mesma satisfação em lembrar daquele período especial da vida.

Um abraço ao Luís e ao Dom Quixote.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Viagens e Montanhas de Arlindo Zucchello - para apaixonados como o autor

 

Ao chegar ao topo da montanha mais visitada pelos montanhistas no mundo, a quase seis mil metros de altitude, próximo das bordas do inativo vulcão Kilimanjaro, no dia 21 de novembro de 2011, ele não teve dúvidas, abriu a bandeira vermelha e verde de Concórdia, SC, para fazer a foto no Pico Uhuru, na Tanzânia, no topo da África.

O montanhista/jornalista e dublê de escritor, é concordiense de nascimento, mas, a julgar pelos tantos lugares que já conheceu, pode ser considerado cidadão do mundo. A homenagem ao município natal ele já havia feito ao fim da subida do gelado Elbrus, na Rússia, o ponto mais alto da Europa, a 5.642 metros. Depois, em outro momento, ao chegar ao Monte Caburai, o ponto mais distante do Brasil, no estado de Roraima, mais uma vez fez questão de registrar o momento com uma bandeira de Concórdia e a colocou no lugar do pavilhão nacional corroído pelo tempo, antes alçado por espia de aço em roldanas. 

Os relatos detalhados desses e outros fatos estão registrados no livro Viagens e Montanhas lançado pelo autor em 2016. Ele conta detalhes interessantes de suas empreitadas a pé pelo mundo.

Estão lá a subida ao monte boliviano Huyana Potosi, a aventura até o mítico Everest, entre o Nepal e Tibete, onde alcançou o campo base da famosa montanha e o trajeto de mais de mil quilômetros, feito em 26 dias pelo Caminho de Santiago de Compostela, entre a França e a Espanha, o Monte Caburai, o ponto mais distante do Brasil, no estado de Roraima e a subida ao Monte Vicuñas, 6.067 metros, no Chile, .

Li o livro de Zuchello com imensa curiosidade, afinal, quem não quer ter um pouco de mundo, né? É difícil fugir do jargão e não dizer que “viajei com o autor”, acompanhando as narrativas. Alcancei com ele picos gelados, montanhas cobertas de neblinas, lugares exóticos e surpreendentes e paisagens deslumbrantes.

Não chega a dar bolhas nos pés, nem torções em tornozelos, mas é uma leitura de tirar o fôlego que vale a pena ao final da jornada.

Só um apaixonado faz o que o Zucchello faz. As “escalaminhadas”, como ele diz, já foram tantas que já não cansa mais. “Trilhas e tantos trekkings me propiciaram melhores condições de saúde física e mental”, revela.

Por último, chama atenção o estilo linguístico do autor. Não estranhe a economia de preposições e verbos. A característica dá um sabor especial à leitura e mantém a narrativa em alto nível.



segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

A Reprodução – Meu conceito favorito de Pierre Bourdieu

 

   Foi numa aula de Mestrado em Educação com a minha querida professora Leda Scheibe que fui apresentado ao teórico francês, Pierre Bourdieu. O autor acabou se tornando chave para o pensamento que desenvolvi em meu trabalho final e, rapidamente, tornou-se meu favorito quando assunto era educação. Certos aprendizados são para sempre, aqueles em que o pensador descortina uma nova realidade e faz uma revelação. Pois bem, foi isso.

    Impossível parece falar de Bourdieu sem citar seu famoso “A Reprodução”. Longe de mim querer fazer um resumo do livro ou me aprofundar em algum aspecto. São coisas para gente capacitada realmente, o que não é meu caso. Quero falar de um ponto específico de seus estudos e que, creio, seja basilar do teórico francês e que surge nesta obra.

    Há um conceito comum a vários autores, mas foi com Bourdieu que compreendi melhor. A ideia de que as escolas foram criadas para atender os filhos da elite pode ser encontrado em muitos livros. Foi durante a Revolução Industrial, na Europa, que as escolas, no formato que conhecemos hoje, começaram a surgir. Uma necessidade sentida pelos donos de fábricas e comerciantes que queriam educar os filhos.

    Para Bourdieu, de lá pra cá, isto não mudou quase nada. Em suas pesquisas de campo apontou que estudantes oriundos de realidades privilegiadas eram os que conseguiam a maioria das vagas em universidades e os melhores desempenhos. O mesmo poderia ser dito sobre ensino dos primeiros anos, onde alunos originários de lares com cultura escolar, ou que tivessem herança cultural associada à herança econômica, teriam mais facilidade no processo de alfabetização. Não é difícil imaginar as vantagens para alguém que tenha acesso a livros em casa desde a tenra infância.

Pierre Bourdieu

    O autor conclui, então, que a estrutura existente está aí para reproduzir a realidade e, não, para alterá-la. Até mesmo as exceções fariam parte do jogo, servindo como argumento “do sistema” para iludir os que estão fora do topo. As minúsculas mudanças servem para dizer que o sistema funciona. Se não funciona pra você, o problema não é o sistema, é você.

    É mais ou menos o que concluiu seu conterrâneo Thomas Piketty que ficou famoso ao provar que o capitalismo, deixado a si mesmo, concentra riqueza e não o contrário, criando ricos por herança, não por trabalho de cada um.

    Bourdieu é para mim um teórico brilhante. Suas ideias realmente causaram e causam ainda grande impacto.

    No entanto, lê-lo requer paciência e um interesse genuíno.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Golpe de Mestre – A experiência de ler e depois assistir

 


    Se não me falha a memória (expressão que cada vez faz mais sentido), o primeiro livro que li e que também virou filme foi Golpe de Mestre (1973/74). Neste caso, especificamente, a história foi escrita para o cinema antes e, depois, virou livro. Mas, a ordem dos tratores aqui não importa muito. O que quero abordar é minha experiência de primeiro ler e, depois, assistir na tela.

    Acho que saia da adolescência e havia lido um dos raros livros que caíra em minhas mãos naquele momento de minha vida. Além disso, nos anos 1970, numa cidade do interior, os filmes demoravam muito para chegar. Eram exibidos, praticamente, um ano após terem sido lançados, ou, até mais. Então, relevemos um pouco a certeza das datas.

    Fui ao cinema com grande expectativa e com a história que li ainda fresquinha em minha memória. A história de dois grandes malandros de Chicago, no período pós depressão norte-americana, em meados dos anos 1930, e que planejaram um grande golpe, o Golpe de Mestre, pra cima de um dos maiores gangsters do país. O filme retrata o período duro que os norte-americanos viviam com fome, desemprego, Lei Seca e jogatinas com vigaristas aplicando golpes uns nos outros.

    Aos poucos fui percebendo que a história, apesar de seguir basicamente o que estava no livro, não repetia perfeitamente o enredo da obra escrita. Um misto de admiração e decepção apesar do excelente filme que assistia. Esperava saber passo a passo o que aconteceria. Mas, qual nada. Até o final da história foi diferente.

    A experiência, claro, mais tarde, mostrou seu valor. O cinema se inspira em histórias escritas para criar em outro formato, praticamente, uma nova história. Um filme nunca será igual ao livro.

    Sei que li um bom livro e vi um excelente filme, vencedor do Oscar em sete categorias com atuações memoráveis da dupla Paul Newman (Henry Gondorff) e Robert Redford (Johnny Hooker).

    Recentemente, ao buscar informações para este texto, encontrei a informação de que o roteirista do filme, David S. Ward, montou o enredo inspirado em fatos reais protagonizados pelos irmãos Fred e Charley Gondorff que estão documentados por David Maurer em seu livro The Big Con: The Story of the Confidence Man.

    Posteriormente, li outros livros que viraram filme e vice e versa e, evidentemente, nunca mais esperei ver a história se repetir perfeitamente na tela, o que, convenhamos, seria meio chato.


quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Contos de Guerra de um pacifista

 

    O primeiro que li foi Guernica-1937. Um amigo meu, dentista, Fábio Zardo, me enviou via Whatsapp, sugerindo a leitura e solicitando um retorno com a minha opinião sobre a história. Era um conto muito breve, cerca de duas páginas, sobre uma garça branca, chamada Tuk, responsável por uma das mais perfeitas manobras de guerra de que se têm notícia. Gostei muito e, claro, avisei meu amigo que disse que providenciaria um encontro com o autor da obra. Fato que aconteceu algum tempo depois quando mantivemos uma conversa bastante amigável via internet.

     Antes do encontro virtual, no entanto, eu já havia adquirido o livro do médico/escritor paranaense Azarias Porto Ribeiro. Nas páginas centrais estava a história de Tuk, a garça branca, minha conhecida, misturada a outros contos, igualmente, criativos e muito bem escritos. 

    O poeta é realmente um fingidor. Azarias nunca foi soldado, não foi pra guerra, é um pacifista, mas escreve sobre o tema como se fosse conhecedor.  Na conversa que tivemos, tranquilo, como um bom pacifista, ele comentou sobre sua obra e o prazer que sente ao escrever.

    Contos de Guerra (2020) é, por este ângulo, paradoxal. Um grande desafio vencido pelo escritor que conseguiu narrar acontecimentos da vida em meio a um cenário de mortes.

    São treze contos agradáveis de se ler. As batalhas ficam realmente como pano de fundo e em nada interferem nas narrativas criativas, emocionantes, românticas, engraçadas e fantásticas criadas pelo médico nascido em Primeiro de Maio, pequena cidade do norte paranaense. Além de Guernica, me impressionei com Stalingrado - 1942 e seu personagem analfabeto amante de poesias, com Normandia-1944 e o pescador que salvou uma sereia e recebeu um dos melhores presentes da vida ou ainda com a mãe que tira o filho do front e salva-lhe a vida em Norte da Europa - Séc. 18 e o elefante que impede uma batalha por gostar de banhos demorados na história Carolina do Sul - 1863.

    Enfim, Contos de Guerra serve para lembrar de como é bom ler algumas historinhas curtas de vez em quando. É prazer garantido! Bons amigos servem para indicar bons livros.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Oliver Twist é genial e fácil de ler

     David Wark Griffith foi um dos primeiros revolucionários do cinema. Ele mudou um paradigma e criou um jeito de fazer cinema que permanece até hoje. Num tempo em que o cinema imitava o teatro, isto é, as cenas eram filmadas, do começo ao fim, de um único ângulo, ele ousou com closes e movimentos de câmera. As mudanças provocaram reações gerais, tanto de produtores quanto de atores, que diziam que a plateia pagava para ver os personagens de corpo inteiro. Além disso, observavam com severidade, como poderiam os espectadores compreender os saltos no tempo e espaço. Uma das respostas do inovador diretor era de que Charles Dickens escrevia assim. O escritor inglês era uma de suas maiores inspirações para fazer o novo cinema.

    Griffith enalteceu a obra de Dickens e as duas artes se cruzavam intensamente já lá nos idos de 1910.

    Foi a partir da leitura da obra do cineasta que me interessei por ler Dickens e o primeiro livro que deliciosamente devorei página a página foi Oliver Twist.

    O menino órfão, que dá nome à história, acaba se juntando a uma gang que procura iniciá-lo em uma vida de crimes. É Londres no século XIX, capitalista e injusta, que leva o menino ao submundo da sociedade. A partir daí ele vai comer o pão que o diabo amassou nas mãos de tipos deploráveis que cruzam seu caminho.

    Dickens é mestre na descrição das personagens e faz o leitor se apaixonar pela história. A riqueza de detalhes de cada uma é impressionante, criando imagens que ficam marcadas na mente de quem lê.

    A crítica social é bastante presente na obra, realçando a pobreza generalizada, a grande distância entre ricos e pobres, violência, pessoas e instituições corruptas que agem sempre em busca de dinheiro, pensando em levar alguma vantagem.

    Enfim, uma obra genial como foi também o trabalho cinematográfico de David Griffith que, por razões óbvias, reconheceu o talento do escritor inglês e mudou o cinema.

    Uma ótima leitura!!


quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Sapiens – Uma breve história da humanidade ou a história do terrorista do ecossistema?

 

    Ler Sapiens – Uma breve história da humanidade (2011), de Yuval Noah Harari foi, no mínimo, intrigante. Logo de cara ela faz um relato revelador sobre a característica devastadora do homo sapiens ao longo de sua evolução enquanto se espalhava pelo planeta. Segundo o autor, as primeiras vítimas teriam sido as outras espécies humanas como os neandertais que desapareceram na disputa pelo meio ambiente. Assim como conhecemos diversas espécies de ursos ou felinos, por exemplo, havia espécies diferentes de humanos. O homo sapiens atravessou o oceano para chegar a Austrália e transformar o ecossistema do continente, fazendo desaparecer a megafauna composta por animais como cangurus de 200 quilos e coalas gigantes. A epopeia humana seguiu para a América, onde os caçadores coletores dizimaram dezenas de grandes espécies, entre elas, mamutes, mastodontes e o tigre-de-dente-de-sabre.

    Harari não perdoa a espécie humana e a qualifica, ao final, de terror do ecossistema. E assim, segue na tentativa de resumir o processo evolutivo humano.

Obras como esta, tão ricas em informação, podem causar impactos diversos no leitor conforme os preconceitos de cada um. Cada um se envolve ou se deixa envolver por este ou aquele aspecto. É possível encontrar no livro uma teoria interessante defendida pelo autor ao concluir que a humanidade era mais feliz antes do período agrícola. Os caçadores-coletores levavam uma vida mais saudável. A ideia de que os agricultores levavam uma vida farta e agradável é uma fantasia, diz ele no capítulo “A maior fraude da história”.

    A partir de 70 mil anos atrás o homo sapiens desenvolveu novos saberes e novas formas de comunicação tornando-se, assim, o ser humano de nossa atualidade. Antes disso, surgiu o desafio de adaptar-se a posição ereta. As mulheres sofreram mais, pois andar assim exigia quadris mais estreitos, apertando o canal do parto, por exemplo. É por isso que no ser humano ocorre um nascimento dolorido e precoce. Mesmo sem estar pronto, o bebê é obrigado a nascer. Enquanto em outras espécies os filhotes saem caminhando e até trotando, os humanos são extremamente frágeis.

    Por fim, fica uma discussão interessante e sempre atual sobre a criação da inteligência artificial e a busca pela imortalidade, desejos alimentados pela eterna insatisfação humana.

    Que livro!!


terça-feira, 26 de outubro de 2021

Uma História da Leitura com muitas histórias

 

    O psicólogo James Hillmann afirma que a pessoa que leu histórias ou para quem leram histórias na infância “está em melhores condições e tem prognóstico melhor do que aquela à qual é preciso apresentar as histórias. […] Chegar cedo na vida já é uma perspectiva de vida”. A citação está presente no livro do argentino Alberto Manguel, Uma História da Leitura (1997). É uma das muitas passagens da obra que exaltam o valor da leitura e a importância dos livros na evolução humana. O autor nasceu em Buenos Aires, mas virou cidadão do mundo, pois morou na Itália, na França, na Inglaterra e no Taiti. Depois se tornou cidadão canadense.

    Manguel revela que aprendeu a ler sozinho, decifrando os caracteres logo aos quatro anos. “Foi como adquirir um sentido inteiramente novo”, escreveu. A escrita veio depois. Por isso, ele diz que a leitura precede a escrita. Tornou-se um leitor voraz enquanto permanecia em casa durante as ausências do pai que viajava muito nas funções de diplomata. Tinha uma biblioteca particular gigante à disposição. 


     No livro, narra experiências a partir de suas leituras.
E esclarece logo que o livro é o resultado de sua história da leitura, e não a única história. O trabalho de Manguel é enriquecedor. Conta trocentas mil histórias das mais variadas origens e para todos os gostos. Algumas não saem mais da cabeça da gente. Tem aquela de dois visitantes que chegam na residência de Santo Agostinho e flagram-no no silêncio do jardim no momento da leitura. Escondidos para não atrapalhar, espiam admirados o Santo ler com os olhos e não com os lábios, como acontecia naquele tempo. Era um período em que, alguns poucos privilegiados de então, evidentemente, faziam leitura em voz alta para grupos. Ler com os olhos não era uma capacidade comum.

    Outra passagem interessante é aquela em que o autor compara a leitura de pergaminhos em rolo com o que acontece hoje quando lemos num computador. Ele diz que voltamos ao antigo formato de livro que revelam apenas uma parte do texto de cada vez, à medida que “rolamos” para cima ou para baixo. Não é perfeita a comparação? Perfeita. Perspicaz, não é?

    Enfim, um livro memorável. A leitura fácil, graças ao estilo do autor, ajuda muito e faz o exercício fluir. Uma História da Leitura é uma viagem através do mundo. Ler, realmente é viajar.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

A Sociedade Midíocre de Juremir

 

    Já falei do Juremir Machado da Silva no texto anterior e falo de novo. Ele tem uma excelente coluna de opinião no jornal Correio do Povo de Porto Alegre. Tanto na edição impressa quanto na digital, ele consegue fazer análises muito aguçadas sobre acontecimentos diários que vão construindo a nossa realidade. Juremir comenta com a autoridade de quem fez o pós-doutorado (1998) na França orientado por Edgar Morin, Jean Baudrillarde Michel Maffesoli. É jornalista e historiador, autor de dezenas de livros e tradutor de muitos outros. Quando li A Sociedade Midíocre. Passagem ao Hiperespetacular: o fim do direito autoral, do livro e da escrita (2012), pude ver um pouco mais de um conceito frequentemente abordado por ele em sua coluna diária. A partir da ideia de que hoje em dia todo mundo é autor, todo mundo é escritor ou, pelo menos, aqueles que se manifestam pela internet assim imaginam, ele analisa o comportamento de nossa sociedade onde há mais emissores de mensagens do que receptores.

Juremir é jornalista e historiador

    Agora todos estão no palco, não há mais a divisão entre a plateia e o palco. Todos são celebridades no mundo do hiperespetáculo. O importante neste mundo não é exatamente a informação. Distrair passou a ser certamente uma estratégia de sobrevivência, inclusive do jornalismo. E a distração não suporta muito conteúdo. Um mundo chega ao fim, diz Juremir. Surgirá, na Sociedade Midíocre, enfim, o homem plenamente contemplativo, sem cérebro, ou com um cérebro reduzido a funções mínimas e também sem pernas, dado que todo o deslocamento será virtual.

    O autor conclui que será o fim dos autores, fim do livro impresso e do e-book. E, mais ainda, o fim da escrita. Começa um novo mundo.

    O livro todo é cheio de recortes com frases muito bem construídas que fazem o leitor refletir a cada passo. “A sociedade “midíocre” foi mais longe e deu visibilidade a personagens obscuros”, ele diz. Quer frase mais reveladora do que esta?

    Viva Juremir Machado da Silva!!!



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